2023.
FESTIVAL RESCALDO DE 15 A 19 FEVEREIRO 2023
Na sua décima terceira edição, ocupa, durante cinco dias, outros tantos espaços da capital, com propostas que espelham fielmente a diversidade de lugares sonoros do seu programa.
Entre a composição académica contemporânea e a experimentação auto-didata, entre o jazz e a electrónica, passando por miscigenações inimaginadas e colaborações únicas pensadas em exclusivo para o festival, o Rescaldo continua a afirmar a diversidade estética, social e geracional que vai mantendo vivo o milagre pessoal e coletivo que é o fazer, pensar, sentir e desbravar o Som nas suas infinitas possibilidades.
ZDB – 15 FEV. 23
JOÃO CARREIRO + MARIANA DIONÍSIO ” RÉQUIEM”
João Carreiro e Mariana Dionísio são dois músicos de predicados excepcionais e escandalosamente jovens idades, cuja afirmação ao longo do último par de anos tem sido fulgurante. O primeiro, guitarrista, estreou-se em 2022 enquanto líder no disco “Pequenos desastres”, rodeado de talento sério e multigeracional do jazz em Portugal, e a segunda, vocalista, tem vindo a desenhar trajectória plural e inspirada em colaboração com percussionistas, trompetistas e outras vozes também tangentes aos territórios mais remotos do jazz no país.
Juntos, prosseguem no Rescaldo o interesse mútuo recém-descoberto pela música litúrgica associada a ritos fúnebres, propondo-se a apresentar um réquiem improvisado, “despido e frágil” porque necessariamente íntimo e mínimo, colocando em cena instinto, sensibilidade e exploração – evocação ad-hoc do temor e da beleza tal como se dignem surgir-lhes.
Mariana Dionisio – voz
João Carreiro – guitarra, electrónicas
⇒ 22h00 / Aquário
POLY VUDUVUM
Aparição – felizmente – cada vez mais frequente em palcos portugueses deste duo/encontro entre Diana Policarpo (artista visual celebrada mas cada vez mais artista-inteira e verdadeiramente pluridisciplinar) e Marta ‘Vuduvum’ Von Calhau! (metade de um dos mais idiossincráticos coletivos de arte-total no país, os Calhau!).
Este é um encontro que é sempre da dimensão do inesperado – das artistas consigo mesmas, do Som enquanto possibilidade de portas escondidas que se abrem. Há percussão tocada na dimensão da revelação mágica do ritmo, há palavra em forma de onomatopeia, palíndromo, surrealismo que vem do espanto sempre renovado com a linguagem, há electrónica e acústica aquém e além da electro-acústica. Uma aparição feliz que é um Teatro de extração de significados e acto de re-criação do Ouvir.
Marta Vuduvum – electrónicas, objectos, voz / Diana Policarpo – electrónicas, percussão
⇒ 23h00 / Aquário
BEZBOG
Os Bezbog são David Machado e Dora Vieira, dupla nortenha que assinala, em 2023, dez anos de criação conjunta em movimento por entre quase todos os interstícios reconhecíveis da música de vanguarda, entabulado por um espírito de liberdade absoluta face ao Som e ao que ele possa ser e oferecer.
Sempre entre os limiares de qualquer coisa que se sujeite a nomeação e arrumação, a música dos Bezbog, feita com recurso a saxofone, computador, apitos, percussão, cavaquinhos, trompetes, rádios e toda uma panóplia de fontes sonoras menos comuns, é uma viagem circular que se sente profundamente pessoal, no que de mais universal há em cada demanda do indivíduo: os Mundos e as Histórias vividas e imaginadas, transpostas para a magia da vibração.
Chegam pela primeira vez ao Rescaldo trazendo na bagagem o altamente recomendável e intrigante disco de 2022, “Dazhbog” – tratado de ressonâncias de uma new age despida da componente idílica e sob a ameaça de um qualquer colapso industrial.
David Machado – saxofone, mixer, computador, tin whistle, recorder, snare drum, cavaquinho, mouth harp / Dora Vieira – water whistle, tin whistle, no-input mixer, steel plate, trompete, rádio, sampler
⇒ 00h00 / Aquário
DAMAS – 16 FEV. 23
TIAGO SOUSA + JOANA DE SÁ
Colaboração em estreia absoluta, a convite do Rescaldo, entre Tiago Sousa (um dos mais brilhantes alumni do burgo, pianista e compositor avesso aos academismos e dono de um percurso longo e continuadamente arrebatador) e Joana de Sá, cintilante revelação do ano transacto, que com o disco “Shatter”, lançado no seu início, conjurou, a partir de loops de guitarra e sintetizador, uma beatífica e potente homenagem às canções que lhe iam colorindo os dias – nada que se pareça com versões ou remixes, mas uma espécie de materialização dos fantasmas que tantas vezes nos acompanham na música que escutamos, e ao que de nós acrescentamos e subtraímos a cada uma no próprio acto de ouvir.
É talvez a repetição o grande ponto de encontro entre estes mundos: aos loops que Joana utiliza como base e motor para a quietude e transcendência, a organicidade da nova fase do Tiago (patente nas suas recentes “Organic Music Tapes”, nas quais os órgãos eléctricos se vão progressivamente imiscuindo num mundo-piano-acústico) vai traduzindo, crescentemente, uma voz que afirma menos e mostra mais – de quem é, do que lhe corre no espírito, do que de si é parte de uma universalidade que nos foi revelada por Riley ou por Reich ou todos os alquimistas que encontraram na beleza de uma frase simples a progressão para o encontro interior com o enigma do cosmos. Que importa a diferença de percursos e gerações quando todos fitamos a mesma linha de infinito?
Tiago Sousa – orgão, loops / Joana de Sá – guitarra, eletrónicas
⇒ 23h00
ALGORAVE BY NOT BINARY CODE (QUENDERA . NDR0N . VIOLETA)
O Not Binary Code é um coletivo de colheita 2022 que navega na contemporaneidade absoluta, irredutível e ainda envolta em mistério de termos e práticas como o live coding, o algorave e as várias dimensões de aparência futurística das tecnologias audiovisuais; o seu é um mundo de música “estranha” a partir de “código escrito à pressa, bits e memórias”, e que talvez pudéssemos descrever, tentativamente, como uma projecção antecipatória, individual e coletiva, de uma Inteligência Artificial popular e eminentemente benevolente.
Neste showcase do coletivo, cujo leque de preocupações abrange também questões de identidade, diversidade e criação de espaços seguros e garantias de abertura e transparência enquanto alternativa aos excessos da propriedade, da patentização e da monetização, contamos com a presença de Ndr0n (projeto audiovisual de expressão digital de Afonso Proença, que faz da experiência em primeira mão da atual movida londrina veículo para um híbrido entre a síntese modular e o live coding), Quendera (ambient algorítmico pontuado por caos percussivo herdado de uma educação na comunidade punk lisboeta) e Violeta (brasileira radicada em Lisboa envolvida na confluência da arte multimédia, música e computorização, criadora de peças na liminaridade entre a galeria de arte e o armazém-ruína.
Ndr0n + Quendera + Violeta – electrónicas, imagem
⇒ 00h00
TBA – 17 FEV. 23
CÂNDIDO LIMA
Nascido em 1939 em Viana do Castelo, Cândido Lima é um dos grandes compositores de uma certa vanguarda portuguesa que viveu (e vive ainda), maioritariamente, na obscuridade. Tendo estudado com Xenakis e privado com gente como Boulez ou Ligeti na sua passagem pela Sorbonne, é um pioneiro nacional de formas técnicas e tecnológicas da composição contemporânea, da electroacústica à espacialização do som, e autor de obras marcantes como “Oceanos”, recentemente revisitada no âmbito do projeto Unearthing the Music, que lhe proporcionou apresentações em festivais como o OUT.FEST no Barreiro ou o Skanu Mezs em Riga, Letónia.
Apresenta-se no Rescaldo numa aparição rara em Lisboa.
Cândido Lima – piano, electrónica
⇒ 19h30
ANDRÉ GONÇALVES + MARIA DA ROCHA + VIOLETA AZEVEDO + CÉSAR BURAGO
Formação pensada exclusivamente para esta parceria entre o Rescaldo e o TBA, e um concerto que decorre de uma residência artística a realizar na ADDAC, o espaço de criação de utopias de síntese modular conduzido por André Gonçalves.
Juntos, então, quatro nomes que ilustram as diversas proveniências e ninhos criativos do país no presente século: André Gonçalves é um criador de sistemas eletrónicos geradores de som e escultor de músicas suspensas pela voltagem; Maria da Rocha é uma violinista com formação clássica que há muito se vem abandonando à improvisação e a processos colaborativos; Violeta Azevedo é uma flautista que trabalha a coloração do som de uma forma instantaneamente identificável, e César Burago um visionário que continua a deslumbrar com a minúcia microscópica do seu ritmo. A uni-los, para além dos entendimentos únicos da sua prática artística, uma palavra de interpretações diversas mas de significado intuído: a sensibilidade.
André Gonçalves – sintetizadores modulares / Violeta Azevedo – flauta, eletrónicas / Maria da Rocha – violino, eletrónicas / César Burago – percussão
⇒ 20h30
MAAT – 18 FEV. 23
SHHHH… BONG! PIII, ZUUU! VAMOS FAZER MÚSICA CONCRETA!
Há cerca de 70 anos, em Paris, Pierre Schaeffer criou uma nova forma de compor música: chamou-lhe música concreta. Pierre e os seus amigos escutavam os sons concretos (os sons que existem à nossa volta) e gravavam, manipulavam, distorciam e combinavam-nos de maneira a criar novas composições musicais. Tudo era feito à mão: cortavam pedaços de fita, colavam a pedaços de outras fitas, trocavam a ordem de tocar, faziam-nas tocar mais rápido! Hoje, com a tecnologia, podemos compor música como a de Pierre Schaeffer usando apenas um telemóvel, um tablet ou um computador. Neste workshop, vamos tornar-nos compositores de música concreta e os sons à nossa volta vão transformar-se em peças incríveis!
Público-alvo: crianças dos 6 aos 12 anos, acompanhadas por um adulto
Lotação: 10 famílias
Duração: 2h30min. com intervalo
Mediadoras: Inês Luzio e Beatriz Rola
Parceiro: Circuito – Serviço Educativo Braga Media Arts
⇒ 14h30 / Maat
VASCO MENDONÇA & DRUMMING GP
Showcase de apresentação, em parceria com a editora Holuzam, do disco “Play Off”, que documenta a relação de trabalho entre o celebrado Drumming GP, grupo de percussão sediado no Porto, e o seu compositor residente nos últimos dois anos, Vasco Mendonça, de trajecto já recheado de encomendas e apresentações em vários dos mais prestigiados festivais de música contemporânea do globo.
Na música de “Play Off” é notória a ideia de mecanismo e de precisão enquanto fios condutores, ainda que se sinta a abertura, liberdade e espaço para a expressividade e subjectividade – sensações condizentes com o teor mais explicitamente político de algumas das peças e das preocupações crescentes de Vasco Mendonça com as possibilidades e impossibilidades do diálogo; “Play Off” é também a transposição da ideia do jogo subjacente às tentativas de entendimento entre pares, do estabelecimento de regras e regularidades e da necessidade de as quebrar, contornar e adaptar para evoluir. A música é aqui exatamente esse organismo lírico e vivo que se alimenta da previsibilidade mas procura, promove e necessita a fricção e interrogação propostas pelas suas próprias armadilhas.
Vasco Mendonça – composição, electrónica
Drumming GP (Miquel Bernat, André Dias, Pedro Góis, João Miguel Braga Simões, Saulo Giovannini) – marimbas, vibrafones, glockenspiel, bateria, percussões, gongos, tam-tams.
⇒ 17h00 / Sala dos Geradores
MENINO DA MÃE & CORO
Autêntico ovni capaz de encapsular na sua música todas as tensões, pluralidades e potencial do tempo que é agora, Menino da Mãe autodefine-se na “raiva de uma criança do subúrbio que morreu na capital”; se raras vezes citamos as descrições providenciadas pelos próprios artistas, é difícil resistir a tamanha honestidade e, sobretudo, acuidade no auto retrato. A música de Bertrand aka Menino da Mãe vai, quase literalmente, a tudo o que é angústia, beleza contemplativa e celebração hedonista, frequentemente no espaço de segundos. É electrónica mas orgânica, é punk mas new age, é noise mas pop filigrânica. Em antecipação do novo disco “Há entre nós quem viva num museu à escala de aldeia que é Portugal” (leiam outra vez!), Menino da Mãe vem ao Rescaldo acompanhado dos seus cúmplices nesta nova Música, Raphael Soares e Violeta Azevedo, baterista e flautista, respetivamente, ambos figuras de excepcional output, originalidade e dedicação no panorama recente português, bem como um coro composto por Alexandra Vidal e Ness. Do disco, sabemos que tem 3 longos temas, sendo um sobre uma cabeleireira da margem sul que roubou 11 bancos com armas de plástico para alimentar os filhos após um divórcio doloroso. Será preciso dizer mais?
Bernardo Bertrand – voz, electrónicas / Violeta Azevedo – flauta, electrónicas
Raphael Soares – bateria / Alexandra Vidal e Ness – coros
⇒ 17h00 / Sala Oval
ST. GEORGE CHURCH – 19 FEV. 23
RAW FOREST
Alter-ego de Margarida Magalhães, o nome Raw Forest vem, desde há uma boa meia-dúzia de anos, fazendo aparições esporádicas mas sempre surpreendentemente afirmativas pelos microcosmos da música experimental em Portugal. Surpreendentes porque, se no papel, as referências sónicas elementares passariam pelos vértices de um universo assente em eixos que diversamente se podem considerar afins à música ambient (com Brian Eno e Eliane Radigue à cabeça, mas também Laurie Anderson ou as peças menos aparentemente rítmicas de um Steve Reich ou Philip Glass), a imersividade total sentida num concerto seu parece conter em si toda a Música – como se, em três quartos de hora, não conseguíssemos conceber outra forma de fazer ou de ouvir.
A afirmatividade é, na música de Raw Forest, uma aparição totalitária benigna e positiva onde não há antecedência ou genealogia – um presente eterno nos confins da sua duração, que por isso parece sempre fugaz – e que, quando termina, nos faz julgar por um instante ter-se desligado a luz do Universo. Música que merece, portanto, o epíteto de Eterna.
Margarida Magalhães – eletrónicas
⇒ 17h00
CARLOS BICA SOLO
Figura tutelar e obviamente unânime do jazz e da música em Portugal, o contrabaixista e compositor Carlos Bica encerra o Rescaldo 2023 com um concerto a solo – contexto em que raramente temos o privilégio de o testemunhar, o de relação simbiótica com cordas e madeira que configura a aparência de uma só entidade – lugar de eleição para entender mais aprofundadamente a pouca convencionalidade, nem sempre aparente, do seu estilo e percurso, feito essencialmente em torno do jazz mas também envolto num folk misterioso e belo que contêm em si laivos de uma distante portugalidade.
Data já de 2005 o seu único disco solo, o brilhante “Single”, e, se no plano das edições o que se avizinha é um novo “songbook”, coletânea de pautas das suas composições, a grande ocasião é que, nas paredes reverberantes da St. George’s Church, teremos a preciosa oportunidade de o ver a sós perante esse fascinante repertório.
Carlos Bica – contrabaixo