2018.

RESCALDO 018

O 11º Festival Rescaldo continua a afirmar-se como local privilegiado para sentir o pulso à criação sonora “sem rede” do país.

Cada vez mais um espaço que não apenas celebra as músicas aventureiras que mais se destacaram nos últimos meses, como também projecta alguns dos novos valores que marcarão a agenda vindoura e desafia artistas idiossincráticos a estabelecer novos laços e colaborações, regressa à Culturgest e ao Panteão Nacional com propostas de descoberta sónica de primeira linha.

Os instrumentos eletrónicos estarão particularmente presentes, nas suas múltiplas identidades e nas colorações que percorrem os seus infindáveis espectros – da plasticidade digital mais assumida à radiação e organicidade eléctricas -, bem como em diversas intersecções com a instrumentação acústica, em tangentes ao jazz, ao rock e à composição contemporânea; vários serão também os espectáculos que colocarão em cena o silêncio e os espaços enquanto elemento central no diálogo e discurso sonoro.

Os onze concertos em cartaz atravessarão, como habitualmente, várias gerações, escolas e percursos, numa mostra que deixa clara uma linha de continuidade criativa ao longo das últimas décadas no panorama português, com incontáveis e ricas variações, associações e ramificações que têm consistentemte feito do país um espaço criativo de invulgar vitalidade no que diz respeito às músicas inclassificáveis.

 


 

Sexta, 16 de Fevereiro, 21h30
Pequeno Auditório

MARIA DA ROCHA BEETROOT

Maria da Rocha é uma jovem violinista e violetista, de formação clássica mas com um especial e saudável interesse pelas mais diversas linguagens, particularmente materializado pelo valor que deposita em processos individuais e coletivos de composição ou de improvisação.

Particularmente activa entre o eixo Lisboa-Berlim-Estocolmo, conta no seu currículo com residências em vários estúdios de renome na experimentação electroacústica (tendo, em especial, trabalhado no mítico EMS da capital sueca), bem como um enigmático e fascinante disco em duo com a “electronicista” Maria W. Horn (na incontornável editora lusa Creative Sources), feito de diálogos entre a viola d’arco e o seu processamento electrónico em tempo real. O universo sonoro deste documento evolui para o novíssimo trabalho “Beetroot”, disco em solo absoluto a lançar no dia pela Shhpuma, e que constituirá a base da sua actuação na abertura do Rescaldo 2018.

Maria da Rocha – violino, electrónicas

DIANA COMBO + RAFAEL TORAL + PEDRO CENTENO MÍNIMO DE OBSTRUÇÃO II

“Mínimo de Obstrução II” é, mais que um concerto, a instauração de um lugar sonoro pluridisciplinar, no qual a palavra – literal, poética, metafórica – ocupa um espaço fundador. Peça originalmente criada por ocasião das comemorações do centenário da Conferência Futurista de Almada Negreiros, reiventa de forma aparentemente aleatória várias das preocupações – políticas, estéticas – levantadas no Ultimatum de Almada, com uma situação-ambiente como pano de fundo e fio intersector para as afirmações e interrogações sónicas de Diana Combo, Pedro Centeno e Rafael Toral, músicos de gerações, abordagens e backgrounds distintos, unidos pela dedicação à composição em tempo real, pela atenção ao detalhe e pela mínucia do seu labor sonoro.

Diana Combo – bateria, declamação  / Rafael Toral – electrónicas / Pedro Centeno – roda de bicicleta modificada

Sábado, 17 de Fevereiro, 21h30
Pequeno Auditório

JOANA GUERRA

A voz e o violoncelo de Joana Guerra têm sido figuras consistentemente presentes na última década de movimentações sonoras mais ou menos subterrâneas na cidade de Lisboa – perde-se a conta às dezenas de contextos em que já a vimos actuar, quer integrando bandas ligadas às mais diversas camadas e franjas (muitas vezes diametralmente opostas) do rock e da pop, quer em cenários de pura improvisação livre com vários dos mais relevantes nomes desta prática, quer acompanhando autores e compositores idiossincráticos (como por exemplo o pianista Tiago Sousa), quer ainda, e com particular relevo nos últimos 4 ou 5 anos, apresentando-se a solo e dando a conhecer uma linguagem que rapidamente se tem vindo a tornar muito própria.

É precisamente a solo que se apresentará no Pequeno Auditório, trazendo consigo as canções de “Cavalo Vapor”, segundo álbum em nome próprio lançado nos momentos finais de 2016, que evidencia essa rápida conquista de uma identidade. Dando prova de uma forma muito particular de trabalhar influências e estilos, canta-se o português, o inglês, o francês, e pressentem-se figuras tutelares como Joanna Newsom, Teresa Salgueiro ou, mais especialmente, Mimi Goese (e os incomparáveis Hugo Largo), na forma como um sopro etéreo de uma certa “mediterraneidade líquida” emana da sua música.

Joana Guerra – violoncelo, voz

HARMONIES

Harmonies é um projecto de Joana Gama, Luís Fernandes e Ricardo Jacinto, criado por ocasião dos 150 anos do nascimento do francês Erik Satie.

O piano, a electrónica e o violoncelo celebram Satie em dimensões que vão para além das estritamente musicais (através da integração de estudos visuais, caligráficos e das próprias notas do icónico compositor), num espectáculo de carácter marcademente imersivo – e no qual a componente cenográfica se constitui como um elemento artístico mais -, feito da intepretação de fragmentos de peças mas também, e sobretudo, de um diálogo com o próprio legado e com as significações subjectivas de uma obra vasta, única e ainda hoje de tal modo desafiadora..

Joana Gama  – piano / Luis Fernandes – electrónicas / Ricardo Jacinto – violoncelo, electrónica

Domingo, 18 de Fevereiro, 16h30
Panteão Nacional

JOANA GAMA

A pianista bracarense Joana Gama apresenta-se este ano no Rescaldo em dois contextos diferentes; se, no trio Harmonies, demonstra a natureza colaborativa do seu percurso recente e a sua capacidade de diálogo com as mais diversas fontes sonoras, neste recital a solo no emblemático Panteão Nacional oferece-nos a oportunidade de testemunhar, com a delicadeza e precisão que o local proporciona, o universo musical que claramente constitui o motor primeiro (e arriscamos dizer, fundamental) da sua visão artística: a escolha de Morton Feldman, John Cage e Erik Satie para reportório desta actuação denota, de forma inequívoca, a exacerbação do papel do silêncio na sua música (ou não falássemos de três compositores que marcaram e alteraram para sempre a música na sua relação com a ausência de excessos e na redução do corpus sónico ao essencial), e promete, pela majestosa ressonância do monumento, um diálogo diferente: entre artista, entre autor, e entre o próprio espaço vazio.

Joana Gama  – piano

* entrada livre mediante pagamento de ingresso no Monumento

Sexta, 23 de Fevereiro, 21h30
Garagem Culturgest

VITOR RUA & THE METAPHYSICAL ANGELS

Depois de uma sequência de discos nos quais a guitarra se constituía como elemento exclusivo, meditativo e mediador na forma como moldava o silêncio e a ausência (conferir o belíssimo “Heavy Mental”, por exemplo), Vítor Rua regressou no final de 2017 com um álbum duplo cujo título desvenda desde logo o novo rumo tomado (“Do androids dream of Electric Guitars?”). A guitarra é, novamente, a voz principal, quer nas versões solo quer nas interpretações do grupo que constituiu para o acompanhar (Hernâni Faustino no baixo, Paulo Galão nos clarinetes, Nuno Reis na trompete, Luís San Payo na bateria e Manuel Guimarães no piano – os Metaphysical Angels) e que subirá ao palco na garagem da Culturgest,  mas a este quasi-maximalismo de meios não corresponde necessariamente uma música de sobreposições ou de volumes exacerbados, antes uma circularidade de movimentos aparentados dos vários jazzes – com curiosas reminiscências de um certo som de Chicago na década de 90 que ajudou a cunhar uma das linhagens do que veio a chamar-se post-rock – precisamente aquela que unia a escola jazzística com as várias linguagens da improvisação não-idiomática e da composição contemporânea. Uma surpresa, vinda de um músico que constatemente se reinventa.

Vitor Rua – guitarras / Nuno Reis – Trompete / Paulo Galão – clarinetes / Hernâni Faustino – contrabaixo / Manuel Guimarães – teclados /  Luís San Payo – bateria

CITIZEN:KANE & HOBO

Lançado nos primeiros meses de 2017, “Lo-fi Expeditions” é um dos objectos discográficos mais inesperados e inclassificáveis do ano que celebramos. Unindo dois produtores (Marco Guerra aka Citizen:kane e Zé Diogo Mateus aka Hobo) que celebram as fontes sonoras sintéticas como matéria prima dançável (e que gravitam ambos em volta do trabalho persistente e meritório da promotora e editora Fungo), esta colaboração resulta numa música alienígena, fascinante e mais indicada para a contemplação extática (e estática) do que para as pistas de dança. Pontos de contacto, se os há, poder-se-ão encontrar no trabalho mais abstracto e de temática interplanetária de Jeff Mills, curiosamente ou talvez não um músico (um mestre!) que do dancefloor se “lançou” para o espaço sideral.

Marco Guerra – eletrónicas / Zé Diogo  – electrónicas

MMMOOONNNOOO + QUIM ALBERGARIA

Daniel Neves aka MMMOOONNNOOO é um dos nomes emergentes de uma Lisboa cuja riqueza nos mais diversos extremos e fronteiras da criação “sem género” deve, definitivamente, ser objecto para um estudo aprofundado. O músico é autor de uma electrónica que deixa transparecer a sua educação “metaleira” – ambiental, hipnótica, mas sempre sustentada por uma base rítmica crua e assertiva – validada e aprimorada pela residência na Red Bull Music Academy de Tokyo que efectuou em 2015, e ampliada na sua dimensão colaborativa em vários encontros ao vivo com outros nomes da nova geração lisboeta (como Polido ou OWWK). O seu percurso, curto mas rico, atinge no entanto o seu zénite no cruzamento com um dos músicos e bateristas marcantes de uma geração-chave em todas estas movimentações actuais – Joaquim Albergaria – que com o seu músculo distintivo oferece uma propulsão rítmica única que transporta esta electrónica rugosa e desafiante para uma dimensão física e psíquica simultaneamente subterrâneas e estratosféricas.

Daniel Neves – electrónicas / Quim Albergaria – bateria

Sábado, 24 de Fevereiro, 21h30
Garagem Culturgest

EITR + GABRIEL FERRANDINI

O duo EITR é um dos projectos com maior longevidade no seio da riquíssima “cena” de jazz e música improvisada de Lisboa, ainda que o número de edições ou aparições públicas não o faça parecer. Unindo Pedro Lopes, originalíssimo giradisquista radicado em Berlim, ao saxofonista Pedro Sousa, nome que cada vez mais dispensa apresentações tal é o alcance, volume e qualidade do seu trabalho junto dos vários jazzmen nacionais e internacionais de relevo nos últimos anos, a música dos EITR é um objecto vivo, em permanente mutação, movendo-se entre as linguagens que mais facilmente reconhecemos como eletrónica, como ambient ou como jazz sem, todavia, se fixar num patamar que permita a catalogação. Após integrarem, merecidamente, o cartaz do último Jazz em Agosto, apresentam-se neste Rescaldo fiéis à sua inclassificabilidade, com a presença do prodigioso baterista e percussionista Gabriel Ferrandini a prometer ainda mais territórios por cartografar e mais interações tímbricas e rítmicas inusitadas e inexploradas por revelar.

Pedro Sousa – saxofones, electrónica / Pedro Lopes – gira discos / Gabriel Ferrandini – bateria, percussão

FARWARMTH

Afonso Ferreira é um dos músicos e agentes culturais de uma novíssima geração de agitadores na capital, quer enquanto promotor ligado à editora Alienação (cujo trabalho tem vindo a ser fulgurante e meritório na promoção de uma certa electrónica paisagista mas inquieta), quer enquanto figura tutelar do projecto Farwarmth, cujo percurso ao longo do último ano conheceu uma série de pontos altos, com concertos marcantes no Festival Múltiplo ou na Galeria Zé dos Bois (na primeira parte de Kara-Lis Coverdale), entre muitos outros. O álbum “Beneath the Pulse”, de finais de 2016, constitui um primeiro e rico capítulo numa música cujas texturas declaradamente digitais (ainda que várias das fontes sonoras tenham proveniência acústica) deixam transparecer um desejo de organicidade, luminosidade e revelação bucólica que parece apontar a direcção dos seus caminhos futuros.

Afonso Arrepia Ferreira  – electrónicas

10.000 RUSSOS + JONATHAN ULIEL SALDANHA

Uma colaboração inédita e, no mínimo, imprevisível entre dois altos representantes da contemporaneidade criativa na cidade do Porto, e um concerto no qual, adivinhamos, o conceito de “espaço” desempenhará um papel fundamental. Se, por um lado, a música dos 10000 Russos – trio cuja justíssima afirmação a nível nacional e internacional (mais de uma centena de concertos pela Europa, no ano que passou) tem sido fulgurante -, opera numa relação aparentemente contraditória entre a claustrofobia e a expansividade e entre o pendor noir associado ao post-punk e a explosão de cor aparente do psicadelismo, já as criações do compositor Jonathan Uliel Saldanha se assumem como celebrações da arquitectura física e emocional dos locais e da memória, evidentes nos vários trabalhos comissionados que tem vindo a desenvolver com coros de várias dezenas de membros, em  espaços performativos inusitados e plenos de história. Trata-se, então, de um encontro entre músicos que trabalham a espacialização do som de formas muito diferentes (com movimentos “de dentro para fora”, num caso, e de “fora para dentro”, no outro), e entre correntes aparentemente tão díspares como a metronomia do rock e as pontas soltas do dub. Uma colaboração, como dissemos, inédita, imprevisível e certamente surpreendente. A não perder por razão alguma.

Pedro Pestana – guitarra eléctrica / André Couto – baixo / João Pimenta – bateria, voz / Jonhatan Saldanha – electrónicas

 


 

Concertos Culturgest – 21h30
Concerto Panteão – 16h30